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  • Foto do escritorEspaço Caos - Arte e Cultura caosartecultura

ROCK, POLÍTICA E POSICIONAMENTO | com Brenda Zeni e Diego Meireles

Atualizado: 26 de nov. de 2018

Trocamos uma ideia sobre o atual papel do rock na política e na sociedade em geral.





No dia 24 de outubro na simbólica Praça da Bandeira, há quatro dias de uma das mais polêmicas eleições da história do país. Entrevistamos Brenda Zeni, cantora, compositora e publicitária e Diego Meireles, cantor, compositor e arte educador. Neste momento, Roger Waters agitava os ânimos de sua plateia e jogava luz sobre a discussão em torno do atual papel do rock na política e na sociedade em geral.


CAOS: O rock para vocês ainda é um movimento político?

ZENI: Precisa ser, né? Eu acho que precisa ser. Na verdade, a essência do rock é isso. Você grita coisas que a massa não está habituada a ouvir. Você coloca essa energia do rock mais presente, nada passiva. Para que essas coisas sejam ouvidas, gritadas e assim ouvidas. Precisa ser político.


DIEGO: Como essência o rock é contra o sistema. Ele é um movimento que veio para questionar uma forma de viver. A sociedade num jeito que que torna as pessoas restritas, sem capacidade de ter emancipação e perceber sua individualidade.

E a música tem um poder muito grande também. E quando ela perde o poder de questionar e de levar as pessoas a tentar ir contra aquilo que reprime ela perde a essência. O rock é contra o sistema, então ele não só é político, mas ele deve sempre permanecer político. Apesar de a gente não enxergar e ver o quanto ele é utilizado de outras formas. É sabotando a cultura como emancipação que as pessoas conseguem manter a manutenção do poder na sociedade. Ele é político, mas ele tem sido utilizado de uma forma política errada nas últimas décadas.


CAOS: Vocês acham que tem como desvincular curtir o som de ouvir a letra? Principalmente nas músicas com temáticas mais políticas?

DIEGO: É possível sim. Porque não é só a questão política, têm sentimentos também. Então tu não precisa necessariamente gostar de uma música só por causa da letra ou só por causa do ritmo, mas é importante tu tentar entender o que tá tendo expressado ali. Porque se tu gosta de uma música por causa de um ritmo e difundir essa música sem perceber a imagem que ela tá passando, o que ela está construindo, tu tá agindo de certa forma contra a moral do que vem ser o rock. É um movimento que não vai pegar, por exemplo, preconceito. Se tu pega uma letra xenofóbica, homofóbica, machista e tu não presta atenção no que a letra diz e divulga essa letra só pela música, tu acaba criando pensamentos homofóbicos e machistas a partir de pessoas que vão absorver aquilo sem ter a consciência do que está falando. Vai reproduzir. Aí vira um rock ideológico que é o que a gente não quer, né?


ZENI: Eu ia começar do mesmo jeito, é possível. Claro, né? Tudo é possível. A gente entende que as pessoas acabam sendo levadas por outras questões, como ele citou, a questão do ritmo. Às vezes você não está nem aí. Coisas que eu fiquei preocupada em gravar por causa da letra, mas teve gente que nem prestou atenção, nem nada. Eu não sei se isso é bom ou ruim, pelo fato que eu gostaria de impactar com a letra, não é tão legal. Simplesmente a pessoa se balança abre as mãos e tá tudo ótimo, balança a bunda, balança "sei lá o que, o corpo" (sic) e acabou, não acho que seja tão legal.

Claro que a gente também não vai ligar o CD e vai para o dicionário, "agora eu vou ouvir o som do Diego, pera aí...aqui essa palavra...". É complicado também, né? Você está ali para tentar relaxar, cada música tem um sentido, nem todas as músicas você tá ali protestando. Pelo menos eu não faço isso sempre, fica cansativo até para mim produzir desse jeito, mas eu acredito sim que é necessário você prestar atenção nas coisas que você está ouvindo, que você está consumindo. Até porque ao se identificar com isso, você vai acabar passando em frente e vai reproduzir o discurso. Por mais que você não entenda outra pessoa vai entender e essa outra pessoa pode te chamar atenção e tu pode ligar ou não, mas é importante sim você prestar atenção naquilo que você está propagando.


CAOS: Qual a reação de vocês a certos grupos dentro do movimento que apoiam discursos autoritários? Já que eles sofreram e ainda sofre algum tipo de repressão?

ZENI: O primeiro impacto que a gente tem com pessoal que é da minoria é o pessoal que despreza a minoria e que apoia discursos como esse que desprezam a minoria. A gente acaba levando o gênero musical do rock simplesmente pelo barulho. O Diego mesmo falou, ele nasceu justamente da controvérsia disso, você gritar as necessidades sociais. E é preocupante. O primeiro impacto que eu tive de pessoas que eu conheço, que vi com esse discurso e estou acompanhando com esse discurso, e são aquelas pessoas mais controversas possíveis, por gênero, por questão sexual, por questões ideológicas. Ainda mais, quando você conhece a pessoa mais de perto e você sabe que ela tá dentro de todas aquelas minorias e mesmo assim ela faz.

Eu entendo que as pessoas estão cansadas, que o país não tá legal e elas estão querendo chutar o balde, só que assim, é um preço muito grande a pagar por um grande abismo. Porque se isso acontecer, se a gente tiver esse momento político, essa virada política, a gente está num grande abismo. A gente ainda não sabe o que vai acontecer, tudo leva a crer que vai ser um grande período de intolerância, uma grande podagem e isso está sendo anunciado.

É difícil você separar a pessoa do discurso que ela tá dizendo ali, na música você faz isso facilmente, não deveria, mas ali não tem música. Ali é só o cara falando na entonação que ele tá falando, com as letras bem claras de que ele não gosta, "eu não vou deixar, não vai sobrar tal coisa, eu vou fazer assim, eu vou tirar" e mesmo assim as pessoas ignoram, eu não entendo. É extremamente preocupante, a gente fica assim meio abismado de não saber porque a pessoa não enxerga, não ouve É preocupante mesmo.


DIEGO: Não são só as bandas que se manifestaram, mesmo que não [toda] a banda e sim [alguns] integrantes, já tinham uma postura patriarcal, autoritária e preconceituosa. O que me assusta são as pessoas mais próximas que acompanham o que a gente faz como músico ou integrantes de movimentos sociais não conseguirem perceber certos discursos. Eles acabam, de certa forma, excluindo a parte negativa em prol de uma coisa que é muito imprecisa. A pessoa vive no movimento social, vive como banda sujeita a diversos tipos de preconceitos, daqueles mais básicos que às vezes a gente pensa que é uma coisa comum, por exemplo, a gente que é músico e que vive na noite, a gente tem que voltar só para casa, então muitas vezes a gente pega porrada da polícia sem perguntar o nosso nome, sem querer saber quem a gente é e de repente escuta um discurso que todo mundo está no mesmo saco, que a população não precisa temer. Discurso como "bandido bom é bandido morto", porque é uma pessoa de bem, mas como é que vai identificar quem é de bem ou não se isso já não acontece hoje em dia? Ela não consegue perceber a gravidade disso e acaba esquecendo todo esse discurso negativo em nome de coisas tipo, "vou acabar com a corrupção, eu vou melhorar". A gente sabe que é uma coisa muito mais complexa, se for parar para perceber há muito tempo a gente vem sofrendo com isso, então não vai ser um discurso novo que ao mesmo tempo é antigo que vai resolver.

Mas eu percebo que no discurso de amigos, tenho muitos amigos próximos que têm opinião totalmente contrária que a minha e ao mesmo tempo pensam muito parecido comigo e é isso que torna a coisa muito estranha. Eles pensam assim, que esse discurso que a gente tem de esquerda na verdade é a velha política, porque é a velha política? Por que é um discurso que vem de, "vamos transformar a sociedade a partir da construção da igualdade", só que para eles esse discurso não é mais palpável porque não é tátil. Por que não é tátil? Porque ele não sente na pele, ele quer coisa na prática, ele quer que o emprego apareça logo, ele quer ver a rua asfaltada, ele quer ver no noticiário que as coisas não acontecem. Esse discurso do Bolsonaro parece mais tátil, mais pagável. Porque ele tá jogando um monte de discurso preconceituoso e a pessoa vive isso o tempo todo, então de certa forma ele está sendo verdadeiro, entendeu? Isso acaba gerando uma bolha gigante. Como assim ele está sendo verdadeiro porque ele está demonstrando que é preconceituoso? Então por causa disso ele vai conseguir fazer o que quem está ali fazendo discurso de igualdade há muito tempo não consegue fazer?

A gente acaba ignorando a pessoa. A gente está vivendo um cenário de uma política ideológica. A política está dizendo como a gente tem que viver, como a gente tem que fazer. Então a gente esquece que quem tá ali é um amigo que tu conhece há muito tempo e que tu sabe que ele não tem aquela carga massiva negativa que a gente está vendo, mas mesmo assim tu trata ele como um estranho, "ei, peraí! Eu não quero mais falar contigo, ei! Tu não vai tocar mais na minha banda porque eu penso assim e tu pensa assim". E não consegue desenvolver um diálogo, não chega a um consenso, só racha, a gente tá só rachando. A gente tá rachando até o tempo que a gente vai entrar num conflito que eu não sei como vai ser o final disso e aí a gente vai precisar ver realmente qual será o resultado disso, como vai acontecer essa política. Sei lá uma insurreição, algo do tipo, tem que dividir bem. "Ei, cara tu é daqui e eu sou daqui". E a gente vai lutar cada um pra manter o que acredita. Agora é só imprecisão mesmo. O importante é reconhecer as pessoas.


CAOS: Qual a auto avaliação que tu faz do teu trabalho quanto à questão da diversidade social, a defesa dos direitos das minorias simbólicas e na abordagem de temáticas sociais?

ZENI: No meu primeiro disco eu já estou enfrentando as primeiras dúvidas. Eu estou cheia de influência. O Alan [Flexa] me deixou fazer no disco tudo o que queria fazer. Eu falei "Alan eu quero gravar um country rock, [Ele] bora gravar, quero gravar um pop, bora gravar, quero gravar um tango brega, bora gravar". Eu sabia que ia passar por umas aprovações e desaprovações em relação a isso, mas eu acho que é o que eu gosto de fazer é o que me faz feliz fazer. Não sei se daqui há dois discos eu vá fazer uma coisa mais homogênea, num formatinho mais padrão. Não é porque é um disco que dentro do disco você tem que gravar tudo a mesma coisa. Faz o que tu tá afim de fazer. Se quer fazer uma coisa mais calma faz uma coisa mais calma. Até porque nem tudo dá pra fazer assim na porrada, "eu te odeio, eu te odeio, eu te odeio" ou então "eu só te amo". Eu posso falar te amo de uma outra forma, "eu te amo caralho". Então acho que tu tem entonar e falar tudo isso da forma que você quer falar, mas também da forma que você quer que as pessoas entendam. Então aí tem o bom e o mal, o bom de você acabar abraçando muita gente e o mal, que não sei se é tão mal assim, de você acabar excluindo aquelas pessoas só tem aquele pensamento reto, que você tem que fazer só daquela forma, "ah! Saiu não gosto mais".


CAOS: Essa desaprovação que tu falou tem haver com isso?

ZENI: A desaprovação tem haver com isso, tem haver com a questão das pessoas só quererem escutar o disco de fulano se o disco for naquela porrada ou então se for naquele mesmo climinha. Então, assim, não é o meu disco. Se você está afim de ouvir uma coisinha bem calma o tempo inteiro não recomendo, se você está afim de ouvir uma coisinha totalmente porrada também não recomendo, mas se você está afim de ouvir uma coisa variada eu recomendo.


DIEGO: A Nova Ordem é uma banda de essência punk, então a gente já nasceu preocupado com a questão social. Não que a gente soubesse disso. A gente tinha nossas preocupações, nossos medos. Quando a gente descobriu a música e descobriu o que a gente queria falar, descobrimos qual estilo que a gente tinha que abordar, como é que tinha que ser dito aquilo, não dava pragente dizer de uma outra forma que não fosse com aquela raiva e o questionar do punk rock. Então, a Nova Ordem sempre agiu de forma contra sistema, realmente punk. Buscando mostrar o que que tem de escroto na sociedade e como a gente deve agir. Sempre de forma crítica, buscando entendimento da pessoa com a sociedade.

A Nova Ordem não é uma banda que tem um discurso político no palco, falado. Eu acho muito complicado essa coisa de tu chegar e pegar o microfone e fazer o discurso político, "é assim que funciona, você tem que acreditar nisso". Eu acho que as pessoas precisam aprender o processo das coisas. Precisam ouvir a música e entender o que a banda está passando. "Porque ele está falando isso com tanta raiva? Porque que ele tá gritando uma frase com tanta raiva assim? O que ele tá dizendo? Se ela perceber o que estamos dizendo ali, ela vai descobrir o que que é. É diferente de chegar lá fazer um mega discurso político e fazer o que eu acho que está acontecendo sempre, discursos, discursos e discursos. Tem o discurso em praça pública que é similar ao discurso de um profissional político e as pessoas acabam não absorvendo aquilo. Tá só repetindo. Ou se tu vai pra rede social, que é um monte de discurso furado, um monte de informação que tu não sabe se é verdadeira, [vai só] replicando, replicando e um vai batendo no outro e acaba que não chega num consenso.

Eu acredito que na banda e como músico a nossa forma de manifestação é através da música, do discurso da letra, do discurso das nossas ações como banda e como movimento. E não em um discurso falado por si só. Ele está na junção entre arte, música e punk.

No dia 24 de outubro na simbólica Praça da Bandeira, há quatro dias de uma das mais polêmicas eleições da história do país. Entrevistamos Brenda Zeni, cantora, compositora e publicitária e Diego Meireles, cantor, compositor e arte educador. Neste momento, Roger Waters agitava os ânimos de sua plateia e jogava luz sobre a discussão em torno do atual papel do rock na política e na sociedade.


CAOS: O rock para vocês ainda é um movimento político?

ZENI: Precisa ser, né? Eu acho que precisa ser. Na verdade, a essência do rock é isso. Você grita coisas que a massa não está habituada a ouvir. Você coloca essa energia do rock mais presente, nada passiva. Para que essas coisas sejam ouvidas, gritadas e assim ouvidas. Precisa ser político.


DIEGO: Como essência o rock é contra o sistema. Ele é um movimento que veio para questionar uma forma de viver. A sociedade num jeito que que torna as pessoas restritas, sem capacidade de ter emancipação e perceber sua individualidade.

E a música tem um poder muito grande também. E quando ela perde o poder de questionar e de levar as pessoas a tentar ir contra aquilo que reprime ela perde a essência. O rock é contra o sistema, então ele não só é político, mas ele deve sempre permanecer político. Apesar de a gente não enxergar e ver o quanto ele é utilizado de outras formas. É sabotando a cultura como emancipação que as pessoas conseguem manter a manutenção do poder na sociedade. Ele é político, mas ele tem sido utilizado de uma forma política errada nas últimas décadas.


CAOS: Vocês acham que tem como desvincular curtir o som de ouvir a letra? Principalmente nas músicas com temáticas mais políticas?

DIEGO: É possível sim. Porque não é só a questão política, têm sentimentos também. Então tu não precisa necessariamente gostar de uma música só por causa da letra ou só por causa do ritmo, mas é importante tu tentar entender o que tá tendo expressado ali. Porque se tu gosta de uma música por causa de um ritmo e difundir essa música sem perceber a imagem que ela tá passando, o que ela está construindo, tu tá agindo de certa forma contra a moral do que vem ser o rock. É um movimento que não vai pegar, por exemplo, preconceito. Se tu pega uma letra xenofóbica, homofóbica, machista e tu não presta atenção no que a letra diz e divulga essa letra só pela música, tu acaba criando pensamentos homofóbicos e machistas a partir de pessoas que vão absorver aquilo sem ter a consciência do que está falando. Vai reproduzir. Aí vira um rock ideológico que é o que a gente não quer, né?


ZENI: Eu ia começar do mesmo jeito, é possível. Claro, né? Tudo é possível. A gente entende que as pessoas acabam sendo levadas por outras questões, como ele citou, a questão do ritmo. Às vezes você não está nem aí. Coisas que eu fiquei preocupada em gravar por causa da letra, mas teve gente que nem prestou atenção, nem nada. Eu não sei se isso é bom ou ruim, pelo fato que eu gostaria de impactar com a letra, não é tão legal. Simplesmente a pessoa se balança abre as mãos e tá tudo ótimo, balança a bunda, balança "sei lá o que, o corpo" (sic) e acabou, não acho que seja tão legal.

Claro que a gente também não vai ligar o CD e vai para o dicionário, "agora eu vou ouvir o som do Diego, pera aí...aqui essa palavra...". É complicado também, né? Você está ali para tentar relaxar, cada música tem um sentido, nem todas as músicas você tá ali protestando. Pelo menos eu não faço isso sempre, fica cansativo até para mim produzir desse jeito, mas eu acredito sim que é necessário você prestar atenção nas coisas que você está ouvindo, que você está consumindo. Até porque ao se identificar com isso, você vai acabar passando em frente e vai reproduzir o discurso. Por mais que você não entenda outra pessoa vai entender e essa outra pessoa pode te chamar atenção e tu pode ligar ou não, mas é importante sim você prestar atenção naquilo que você está propagando.


CAOS: Qual a reação de vocês a certos grupos dentro do movimento que apoiam discursos autoritários? Já que eles sofreram e ainda sofre algum tipo de repressão?

ZENI: O primeiro impacto que a gente tem com pessoal que é da minoria é o pessoal que despreza a minoria e que apoia discursos como esse que desprezam a minoria. A gente acaba levando o gênero musical do rock simplesmente pelo barulho. O Diego mesmo falou, ele nasceu justamente da controvérsia disso, você gritar as necessidades sociais. E é preocupante. O primeiro impacto que eu tive de pessoas que eu conheço, que vi com esse discurso e estou acompanhando com esse discurso, e são aquelas pessoas mais controversas possíveis, por gênero, por questão sexual, por questões ideológicas. Ainda mais, quando você conhece a pessoa mais de perto e você sabe que ela tá dentro de todas aquelas minorias e mesmo assim ela faz.

Eu entendo que as pessoas estão cansadas, que o país não tá legal e elas estão querendo chutar o balde, só que assim, é um preço muito grande a pagar por um grande abismo. Porque se isso acontecer, se a gente tiver esse momento político, essa virada política, a gente está num grande abismo. A gente ainda não sabe o que vai acontecer, tudo leva a crer que vai ser um grande período de intolerância, uma grande podagem e isso está sendo anunciado.

É difícil você separar a pessoa do discurso que ela tá dizendo ali, na música você faz isso facilmente, não deveria, mas ali não tem música. Ali é só o cara falando na entonação que ele tá falando, com as letras bem claras de que ele não gosta, "eu não vou deixar, não vai sobrar tal coisa, eu vou fazer assim, eu vou tirar" e mesmo assim as pessoas ignoram, eu não entendo. É extremamente preocupante, a gente fica assim meio abismado de não saber porque a pessoa não enxerga, não ouve É preocupante mesmo.


DIEGO: Não são só as bandas que se manifestaram, mesmo que não [toda] a banda e sim [alguns] integrantes, já tinham uma postura patriarcal, autoritária e preconceituosa. O que me assusta são as pessoas mais próximas que acompanham o que a gente faz como músico ou integrantes de movimentos sociais não conseguirem perceber certos discursos. Eles acabam, de certa forma, excluindo a parte negativa em prol de uma coisa que é muito imprecisa. A pessoa vive no movimento social, vive como banda sujeita a diversos tipos de preconceitos, daqueles mais básicos que às vezes a gente pensa que é uma coisa comum, por exemplo, a gente que é músico e que vive na noite, a gente tem que voltar só para casa, então muitas vezes a gente pega porrada da polícia sem perguntar o nosso nome, sem querer saber quem a gente é e de repente escuta um discurso que todo mundo está no mesmo saco, que a população não precisa temer. Discurso como "bandido bom é bandido morto", porque é uma pessoa de bem, mas como é que vai identificar quem é de bem ou não se isso já não acontece hoje em dia? Ela não consegue perceber a gravidade disso e acaba esquecendo todo esse discurso negativo em nome de coisas tipo, "vou acabar com a corrupção, eu vou melhorar". A gente sabe que é uma coisa muito mais complexa, se for parar para perceber há muito tempo a gente vem sofrendo com isso, então não vai ser um discurso novo que ao mesmo tempo é antigo que vai resolver.

Mas eu percebo que no discurso de amigos, tenho muitos amigos próximos que têm opinião totalmente contrária que a minha e ao mesmo tempo pensam muito parecido comigo e é isso que torna a coisa muito estranha. Eles pensam assim, que esse discurso que a gente tem de esquerda na verdade é a velha política, porque é a velha política? Por que é um discurso que vem de, "vamos transformar a sociedade a partir da construção da igualdade", só que para eles esse discurso não é mais palpável porque não é tátil. Por que não é tátil? Porque ele não sente na pele, ele quer coisa na prática, ele quer que o emprego apareça logo, ele quer ver a rua asfaltada, ele quer ver no noticiário que as coisas não acontecem. Esse discurso do Bolsonaro parece mais tátil, mais pagável. Porque ele tá jogando um monte de discurso preconceituoso e a pessoa vive isso o tempo todo, então de certa forma ele está sendo verdadeiro, entendeu? Isso acaba gerando uma bolha gigante. Como assim ele está sendo verdadeiro porque ele está demonstrando que é preconceituoso? Então por causa disso ele vai conseguir fazer o que quem está ali fazendo discurso de igualdade há muito tempo não consegue fazer?

A gente acaba ignorando a pessoa. A gente está vivendo um cenário de uma política ideológica. A política está dizendo como a gente tem que viver, como a gente tem que fazer. Então a gente esquece que quem tá ali é um amigo que tu conhece há muito tempo e que tu sabe que ele não tem aquela carga massiva negativa que a gente está vendo, mas mesmo assim tu trata ele como um estranho, "ei, peraí! Eu não quero mais falar contigo, ei! Tu não vai tocar mais na minha banda porque eu penso assim e tu pensa assim". E não consegue desenvolver um diálogo, não chega a um consenso, só racha, a gente tá só rachando. A gente tá rachando até o tempo que a gente vai entrar num conflito que eu não sei como vai ser o final disso e aí a gente vai precisar ver realmente qual será o resultado disso, como vai acontecer essa política. Sei lá uma insurreição, algo do tipo, tem que dividir bem. "Ei, cara tu é daqui e eu sou daqui". E a gente vai lutar cada um pra manter o que acredita. Agora é só imprecisão mesmo. O importante é reconhecer as pessoas.


CAOS: Qual a auto avaliação que tu faz do teu trabalho quanto à questão da diversidade social, a defesa dos direitos das minorias simbólicas e na abordagem de temáticas sociais?

ZENI: No meu primeiro disco eu já estou enfrentando as primeiras dúvidas. Eu estou cheia de influência. O Alan [Flexa] me deixou fazer no disco tudo o que queria fazer. Eu falei "Alan eu quero gravar um country rock, [Ele] bora gravar, quero gravar um pop, bora gravar, quero gravar um tango brega, bora gravar". Eu sabia que ia passar por umas aprovações e desaprovações em relação a isso, mas eu acho que é o que eu gosto de fazer é o que me faz feliz fazer. Não sei se daqui há dois discos eu vá fazer uma coisa mais homogênea, num formatinho mais padrão. Não é porque é um disco que dentro do disco você tem que gravar tudo a mesma coisa. Faz o que tu tá afim de fazer. Se quer fazer uma coisa mais calma faz uma coisa mais calma. Até porque nem tudo dá pra fazer assim na porrada, "eu te odeio, eu te odeio, eu te odeio" ou então "eu só te amo". Eu posso falar te amo de uma outra forma, "eu te amo caralho". Então acho que tu tem entonar e falar tudo isso da forma que você quer falar, mas também da forma que você quer que as pessoas entendam. Então aí tem o bom e o mal, o bom de você acabar abraçando muita gente e o mal, que não sei se é tão mal assim, de você acabar excluindo aquelas pessoas só tem aquele pensamento reto, que você tem que fazer só daquela forma, "ah! Saiu não gosto mais".


CAOS: Essa desaprovação que tu falou tem haver com isso?

ZENI: A desaprovação tem haver com isso, tem haver com a questão das pessoas só quererem escutar o disco de fulano se o disco for naquela porrada ou então se for naquele mesmo climinha. Então, assim, não é o meu disco. Se você está afim de ouvir uma coisinha bem calma o tempo inteiro não recomendo, se você está afim de ouvir uma coisinha totalmente porrada também não recomendo, mas se você está afim de ouvir uma coisa variada eu recomendo.

DIEGO: A Nova Ordem é uma banda de essência punk, então a gente já nasceu preocupado com a questão social. Não que a gente soubesse disso. A gente tinha nossas preocupações, nossos medos. Quando a gente descobriu a música e descobriu o que a gente queria falar, descobrimos qual estilo que a gente tinha que abordar, como é que tinha que ser dito aquilo, não dava pragente dizer de uma outra forma que não fosse com aquela raiva e o questionar do punk rock. Então, a Nova Ordem sempre agiu de forma contra sistema, realmente punk. Buscando mostrar o que que tem de escroto na sociedade e como a gente deve agir. Sempre de forma crítica, buscando entendimento da pessoa com a sociedade.

A Nova Ordem não é uma banda que tem um discurso político no palco, falado. Eu acho muito complicado essa coisa de tu chegar e pegar o microfone e fazer o discurso político, "é assim que funciona, você tem que acreditar nisso". Eu acho que as pessoas precisam aprender o processo das coisas. Precisam ouvir a música e entender o que a banda está passando. "Porque ele está falando isso com tanta raiva? Porque que ele tá gritando uma frase com tanta raiva assim? O que ele tá dizendo? Se ela perceber o que estamos dizendo ali, ela vai descobrir o que que é. É diferente de chegar lá fazer um mega discurso político e fazer o que eu acho que está acontecendo sempre, discursos, discursos e discursos. Tem o discurso em praça pública que é similar ao discurso de um profissional político e as pessoas acabam não absorvendo aquilo. Tá só repetindo. Ou se tu vai pra rede social, que é um monte de discurso furado, um monte de informação que tu não sabe se é verdadeira, [vai só] replicando, replicando e um vai batendo no outro e acaba que não chega num consenso.

Eu acredito que na banda e como músico a nossa forma de manifestação é através da música, do discurso da letra, do discurso das nossas ações como banda e como movimento. E não em um discurso falado por si só. Ele está na junção entre arte, música e punk.


Vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=74EMBreEXYs&t=4s

Entrevista na íntegra: https://soundcloud.com/user-333918872/podcaos-rock-politica-e-posicionamento-com-brenda-zeni-e-diego-meireles


Roteiro: Jamaile Gurjão, Rodrigo Aquiles Entrevista: Rodrigo Aquiles Produção: Bia Azevedo, Billy Float e Kssiddy Weslley

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